Nestes poemas Eduardo Jorge se entrega ao fascínio pelo canto das sereias homéricas naquilo mesmo que elas guardam de som equivocado com o presente, já que, como sirenas, elas geraram duas palavras tão estranhas uma à outra em português e outras línguas latinas: a sirene (de uma ambulância, de uma viatura) e a sereia (ser marítimo, metade mulher, metade peixe), enquanto as figuras fabulosas em Homero são aladas, cantoras-pássaras que ameaçam o ouvinte com um desejo descontrolado por mais canção, quase como o vídeo que guarda o mote central de Graça infinita, de David Foster Wallace num anseio interminável por mais entretenimento, mais prazer. Por outro lado, o sopro do canto ou da música também se desdobra na siringe, nome grego de uma ninfa e, depois, da flauta-pã, mas também a seringa, abominável módulo de agulhas fincáveis e marca da salvação nos tempos da peste presente. (Guilherme Gontijo Flores)
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